Para descobrir se já existe uma ética para o Ciberjornalismo nada melhor que entrevistar Carla Martins, Investigadora da Unidade de Análise dos Media da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social e Professora da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.
1- Já existe alguma forma de regulação do ciberjornalismo? Existe alguma ética para o ciberjornalismo? Se não existe alguma ética especifica, será que ela é necessária?
Já existe alguma forma de regulação do ciberjornalismo. Segundo os seus estatutos, a Entidade Reguladora tem como regulados as entidades que prosseguem actividades de comunicação social, aí se incluindo as pessoas singulares ou colectivas que disponibilizem regularmente ao público, através de redes de comunicações electrónicas, conteúdos submetidos a tratamento editorial e organizados como um todo coerente.
Do ponto de vista ético e deontológico, as regras aplicáveis aos jornalistas são transversais a todos os meios de comunicação social e plataformas tecnológicas. Baseiam-se no Estatuto do Jornalista (em particular, o capítulo sobre os deveres profissionais), que tem força de lei, e orientam-se igualmente pelo Código Deontológico do Jornalista, aprovado pela classe em 1993 em sede do Sindicato dos Jornalistas (é um documento orientador, sem força de lei e que pode não ser subscrito por todos os jornalistas dada a sua génese).
Existem ainda regulamentações específicas para cada suporte - imprensa, rádio e televisão. O quadro jurídico-administrativo ainda está organizado por meios tradicionais; na apreciação dos conteúdos disponibilizados na web tem-se convocado a aplicação da Lei de Imprensa, Lei da Rádio ou Lei da Televisão, com as necessárias adaptações, consoante se trate de conteúdos escritos, áudio ou audiovisuais.
Finalmente, há legislação transversal aplicável à comunicação geral no seu todo, como a Constituição da República Portuguesa. A regulação dos media, na sua missão mais funda, assegura a liberdade de imprensa e o direito dos cidadãos à informação, e também procura equilibrar estes direitos com outros com os quais possa conflituar, como os chamados direitos de personalidade.
Não existe uma ética específica para o ciberjornalismo mas penso que as características das plataformas tecnológicas justificariam, sim, a definição de uma carta ética adequada ao meio. Finalmente, o quadro jurídico, sendo estático e pouco adequado ao movimento das novas tecnologias, mereceria reflexão e revisão.
2- Num meio sempre em movimento em que cada vez mais surge o chamado jornalismo do cidadão onde fica a ética?
A ética aplicada aos jornalistas fundamenta-se no facto de o jornalismo ser uma profissão ou um ofício, e uma das formas da sua legitimação social ocorre por via da explicitação das normas e princípios da profissão. É no fundo uma espécie de contrato com a sociedade, ao qual o jornalista enquanto profissional está obrigado. O investigador norte-americano Michael Schudson propõe uma definição de jornalismo relativamente consensual. O jornalismo “a) publica b) numa base periódica, normalmente diária c) informação e comentário sobre assuntos correntes d) normalmente apresentados como verdadeiros e sinceros e) a uma audiência de pessoas dispersas e anónimas f) de modo a publicamente os incluir g) num discurso assumido como publicamente importante”.
O jornalismo do cidadão não se confunde em princípio com o jornalismo profissional; plasma essencialmente a liberdade de expressão e de opinião e pode assumir, como já assume noutros países, um papel social relevante. A ética, no jornalismo do cidadão, converte-se por assim dizer numa questão de bom senso e de bom gosto.
3- Quando falamos de ciberjornalismo, de que modo pode a ERC agir quando se detectam infracções notórias no código deontológico?
A ERC só por via indirecta se pronuncia sobre comportamentos individuais dos jornalistas, na medida em que o seu trabalho surge enquadrado num meio de comunicação social. Esta actuação regulatória poderá sim relacionar-se com incumprimentos da esfera ética e deontológica nos limites das competências e atribuições da Entidade (veja, por exemplo, uma decisão recente sobre o Jornal Nacional da TVI). Quando detecta incumprimentos no plano ético e deontológico não poderá fazer mais do que "instar" o meio de comunicação social em causa ao cumprimento dos deveres profissionais ou produzir recomendações que são obrigatoriamente publicadas ou lidas no meio em causa.
Para dirimir questões desta esfera, directamente visando o comportamento de jornalistas individuais, existe o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (que emite pareceres e recomendações não vinculativos) e a Comissão da Carteira Profissional dos Jornalistas, com poderes para sancionar.
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